O desafio do ordinário
Fui fotógrafo de publicidade durante muitos anos, muito orientado para a fotografia de produto, uma paixão, seguramente, e um desafio enorme no que concerne à técnica e rigor do ato fotográfico. Mas a verdade é que, na maioria das vezes, é uma fotografia com pouca liberdade e muito focada, não no sentido do foco de um ponto de vista técnico, mas com um foco no concreto, num briefing, no fazer acontecer.
![](https://cdn.durable.co/blocks/dXDr6Ru1t4w905miEuxK4PhP21wW3XoIvJn39MSSznMjgznBJCFIDNS5LRWicQls.jpg)
Hoje estou nos antípodas dessa fotografia. Hoje interessa-me sobretudo explorar o ordinário, o comum, o banal, aquilo que está à nossa frente e que muitas vezes nos passa despercebido. A vida quotidiana está repleta de cenas e objetos que consideramos não notáveis. No entanto, nesse aparente anonimato reside uma oportunidade única e inestimável.
Atenção aos detalhes
A fotografia permite que exploremos o mundo em detalhes que muitas vezes passam despercebidos. Aquelas pequenas subtilezas que estão à nossa volta e poderem ser transformadas em imagens surpreendentes. Por exemplo, a textura de uma parede desgastada pelo tempo, os pés dos meus filhos, ou até mesmo os reflexos numa poça d'água podem tornar-se imagens especiais quando vistas de uma nova perspetiva.
O meu maior desafio está em transformar o que é ordinário e comum em algo menos comum — não quero dizer extraordinário porque não quero ser mal interpretado. Isso requer um olhar atento e a capacidade de ver o potencial da imagem em lugares e em cenas e em pessoas que aparentemente possam ser banais e mundanos.
![pés de crianças](https://durable.sfo3.cdn.digitaloceanspaces.com/blocks/9AAAjeOhR0eB1qTpgSAKs0FWmhZCTJPaea5sYH7KEBgWlErE4KpViSv8vRAdaP8R.jpg)
É importante lembrar que, muitas vezes, o extraordinário está bem à frente dos nossos olhos, mas simplesmente não o vemos, apenas olhamos. A correria do dia a dia e a familiaridade com os nossos espaços diários podem criar uma espécie de alheamento para o potencial fotográfico que nos rodeia. Para superar isso, basta observar e ver o que está à nossa volta com um olhar curioso e atento.
Olhar e ver não são bem a mesma coisa.
Where's Wally
Não tenho nada contra um belo postal. Todos nós amamos fotografias bonitas, perfeitas, imaculadas. Mas eu tento sempre construir as minhas imagens à volta de um conceito, de uma história, de um centro das atenções. Ou como costumo dizer aos meus alunos, encontrem o Wally nas vossas imagens.
Para não me alongar em demasia, o desafio e a busca no ordinário por algo mais, na fotografia, é uma busca constante pelo significado nas coisas que muitas vezes ignoramos. Ao adotar uma abordagem mais atenta e potencialmente criativa para o mundo que nos envolve, podemos revelar o extraordinário na normalidade.
![transform ordinary](https://durable.sfo3.cdn.digitaloceanspaces.com/blocks/eZ9ZIcMYiYRxlDMolslvMxwAK7Bdpe8jYhv4OH7jty6f4MqNhDVmPtGAwcNzPFfF.jpg)
O desafio que vos deixo é o desafio do ordinário, é um convite para valorizarmos as coisas comuns da vida e procurar-mos valor nelas, artístico e emocional. É um lembrete de que o extraordinário não está sempre nas coisas coisas grandes e impressionantes, mas muitas vezes pode ser encontrado em coisas simples e comuns. Naquilo com que nos cruzamos dia sim, dia sim.
Ao fim e ao cabo, este é um dos poderes maiores da fotografia. Daí ser o meio de criação artística e intelectual com mais popularidade no mundo. Porque todos nós somos pessoas ordinárias à procura de algo extraordinário.