O (meu) fascínio pela fotografia: um meio que não tem comparação
Numa era dominada por clips de vídeo rápidos e conteúdos digitais efémeros, a fotografia é um bastião da comunicação visual intemporal. Este texto, demasiado pessoal e algo longo (peço desculpa à geração TLDR), procura justificar o impacto profundo e o apelo perdurável da fotografia, explorando a sua posição única no panteão dos meios de comunicação visuais. Através desta forma única de olhar e a sua linguagem universal, da filosofia e da estética, continuo com mais certezas que dúvidas de porque é que a fotografia continua a cativar tanto os criadores intelectuais como quem frui este extraordinário meio de criação e expressão.
Uma linguagem universal: registar momentos, sem fronteiras
O poder da fotografia como linguagem universal é inigualável. Como Ansel Adams disse, “Não há regras para boas fotografias, só há boas fotografias” (Adams, 1985). Este sentimento resume a capacidade deste meio para comunicar através de barreiras culturais e linguísticas.
Ao contrário do vídeo, que muitas vezes requer contexto ou narração, uma única fotografia pode transmitir emoções e histórias complexas, num instante. O fotojornalista Steve McCurry, conhecido pelo seu retrato da “Rapariga Afegã”, argumenta que “A fotografia é um meio inegavelmente poderoso, livre dos constrangimentos da linguagem, e aproveitando as qualidades únicas de um único momento congelado no tempo” (McCurry, 2011).
Este apelo universal é ainda mais enfatizado pela proliferação de plataformas de partilha de imagens. De acordo com um relatório do Pew Research Center (2021), mais de 95% dos americanos possuem agora um smartphone com câmara, tornando a fotografia mais acessível do que nunca. Esta democratização do meio conduziu a um diálogo visual global sem precedentes.
No entanto, para os profissionais, esta ubiquidade apresenta desafios e oportunidades. Como refere o fotógrafo Elliott Erwitt, “Para mim, a fotografia é uma arte de observação. Trata-se de encontrar algo interessante num lugar-comum... Descobri que tem pouco a ver com as coisas que se veem e tudo a ver com a forma como as vemos” (Erwitt, 2003). Num mundo saturado de imagens, o olhar do fotógrafo experiente torna-se ainda mais crucial para construir um corpo de trabalho que se destaque.
Um olhar filosófico: capturar a realidade e moldar a perceção
As implicações filosóficas da fotografia vão muito para além dos seus aspetos técnicos, mergulhando em questões de realidade, perceção e verdade. Susan Sontag, na sua obra “On Photography”, afirma que “Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa colocarmo-nos numa certa relação com o mundo que se assemelha a conhecimento - e, portanto, ao poder” (Sontag, 1977).
Este poder de captar e interpretar a realidade fez da fotografia um objeto de intenso debate filosófico. O filósofo francês Roland Barthes, no seu livro “Camera Lucida”, introduziu os conceitos de studium (a interpretação cultural, linguística e política de uma fotografia) e punctum (o pormenor pessoal e pungente que estabelece uma relação direta com o objeto ou a pessoa que a compõe) (Barthes, 1980). Estas ideias continuam a influenciar a forma como compreendemos e analisamos as fotografias.
Para os fotógrafos profissionais, esta dimensão filosófica acrescenta profundidade ao seu ofício. Sebastião Salgado, conhecido pela sua fotografia socialmente consciente, reflete: “A fotografia não é feita pelo fotógrafo, a fotografia é melhor ou menos boa em função da relação que se tem com as pessoas que se fotografa” (Salgado, 2013). Esta perspetiva desafia a noção de objetividade na fotografia, sugerindo que a fotografia tem tanto a ver com a relação do fotógrafo com o sujeito como com a habilidade técnica para a registar.
Os aspetos filosóficos da fotografia também se estendem ao seu papel na formação da memória coletiva e da narrativa histórica. Como refere a historiadora Vicki Goldberg no seu livro “The Power of Photography: How Photographs Changed Our Lives”, as fotografias têm a capacidade única de ‘congelar o tempo e preservar as aparências para estudo e julgamento futuros’ (Goldberg, 1991). Esta preservação de momentos levanta questões sobre a natureza da memória, a passagem do tempo e o papel das imagens na construção da nossa compreensão da história.
Além disso, numa era de manipulação digital e de “notícias falsas”, a relação da fotografia com a verdade tornou-se cada vez mais complexa. A associação de longa data da fotografia com a prova documental está a ser posta em causa, obrigando tanto os espetadores como os criadores a debaterem-se com questões de autenticidade e representação. Como argumenta o fotógrafo Pedro Meyer, “não existe uma imagem absolutamente não manipulada” (Meyer, 2000), sugerindo que todas as fotografias, quer sejam alteradas digitalmente ou não, envolvem algum grau de interpretação subjetiva.
O fascínio estético: a arte e o ofício da composição visual
A dimensão estética da fotografia é onde a habilidade técnica encontra a visão artística, construindo imagens que ressoam a um nível profundamente emocional e visual. Ao contrário de outros meios visuais, a fotografia tem a capacidade única de captar instantes de beleza, transformando o ordinário, o comum, em extraordinário, através do olhar do fotógrafo.
Henri Cartier-Bresson, frequentemente considerado o pai do fotojornalismo moderno, cunhou o termo “momento decisivo”, descrevendo-o como “o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, do significado de um acontecimento, bem como a organização precisa das formas que dão a esse acontecimento a sua expressão adequada” (Cartier-Bresson, 1952). Este conceito sublinha o papel do fotógrafo não só no registo, mas também na criação de imagens esteticamente atraentes.
O poder estético da fotografia reside na sua capacidade de manipular elementos como a luz, a composição e a perspetiva. Ansel Adams, conhecido pelas suas fotografias de paisagens, desenvolveu o sistema de zonas, uma técnica para determinar a exposição e o desenvolvimento ideais da película. Adams acreditava que “Não se tira uma fotografia, faz-se uma fotografia” (Adams, 1985), enfatizando o processo criativo por detrás de cada imagem.
Na era digital, as possibilidades estéticas da fotografia expandiram-se exponencialmente. As técnicas de pós-processamento permitem um controlo sem precedentes sobre a imagem final, esbatendo as linhas entre a fotografia e outras artes visuais. No entanto, como referiu o fotógrafo Richard Avedon, “Todas as fotografias são exatas. Nenhuma delas é a verdade” (Avedon, 1985). Esta afirmação realça a tensão entre a manipulação estética e a autenticidade fotográfica.
Os aspetos estéticos da fotografia também se estendem à sua apresentação física. A escolha da técnica de impressão, do papel e do expositor pode ter um impacto significativo na experiência de quem a vê. Não querendo aqui entrar na discussão acerca da legitimidade dos modernos meios digitais e muitas das suas plataformas, como as redes sociais e afins, como refere o fotógrafo Michael Kenna, “considero o processo de impressão uma componente fundamental do meu trabalho. É durante esta fase que posso concretizar plenamente a minha visão original” (Kenna, 2014).
Para além disso, o valor estético da fotografia é cada vez mais reconhecido no mundo da arte. De acordo com um relatório da Artprice (2023), a fotografia representa atualmente 8% do mercado global de arte, com os preços das fotografias, vintage e contemporâneas, a atingirem máximos históricos nos leilões. Esta tendência sublinha a crescente apreciação da fotografia como uma forma de arte legítima e valiosa.
Em jeito de conclusão
O fascínio duradouro da fotografia reside na sua capacidade única de servir como linguagem universal, provocar a contemplação filosófica e criar imagens esteticamente apelativas, tudo isto considerando, naturalmente, o caráter contextual da fotografia. Como meio de comunicação, continua a evoluir, adaptando-se aos avanços tecnológicos, mas mantendo a sua essência.
Para todos nós que seguramos uma câmera nas mãos, é crucial compreender e tirar partido destes aspetos da fotografia. Num mundo cada vez mais dominado por imagens em movimento e realidades virtuais, o poder de uma única fotografia cuidadosamente construída permanece inalterado. Como disse Dorothea Lange, “A câmara é um instrumento que ensina as pessoas a ver sem câmara” (Lange, 1978).
Apesar de muito familiarizado com outros meios de criação artística e intelectual, nasci para a vida com a fotografia e nela me vou manter até morrer. É uma vida inteira a olhar através de outros olhos, ou dos meus de forma reconfigurada. Ou como costumo dizer a todos os meus formandos e alunos, olhar e ver não são bem a mesma coisa, e a vida não é acerca da realidade mas sim da perceção que cada um de nós constrói a partir dela.
O apelo duradouro da fotografia não consiste apenas em captar momentos, mas em convidar quem os vê a fazer uma pausa, refletir e ver o mundo de novo. É este poder transformador que assegura o lugar da fotografia como um meio preeminente nas artes visuais, agora e para as gerações vindouras.